
Egressa da Escola de Agronomia vem desenvolvendo atividades voltadas ao desenvolvimento rural integrado na China
A egressa do curso de Engenharia de Alimentos da Escola de Agronomia da UFG, Tatiane Martins Rosa, atualmente mestranda da China Agricultural University, vem trabalhando com projetos de sustentabilidade, inovação e integração dos ambientes rurais.
Atualmente nossa egressa está baseada na Ilha Hainan, na cidade de Sanya, onde realiza suas coletas de dados.
Leia a matéria na integra abaixo:
Damao Ocean Ecological Village e o Potencial do Modelo STB para o Brasil
Visão Geral
Durante uma visita acadêmica ao Damao Ocean Ecological Village, em Sanya, na província de Hainan, China, foi possível observar um exemplo notável de desenvolvimento rural integrado. O projeto alia sustentabilidade, inovação tecnológica e participação comunitária em um modelo que pode oferecer valiosas lições para o contexto brasileiro. Com mais de 17 mil mu (cerca de 1.100 hectares), abrangendo 23 vilarejos naturais, a iniciativa é fruto da colaboração entre o Yuanyang Group e o governo local, em sintonia com as estratégias nacionais de revitalização rural.
Um Modelo de Convivência Sustentável
Desde 2018, o Damao Ocean Ecological Village vem se consolidando como referência em espaços produtivos e sustentáveis. A proposta central é oferecer uma “terceira residência” — um espaço híbrido entre lazer, aprendizado e trabalho — voltada a visitantes urbanos e estrangeiros. A abordagem multifacetada integra agricultura de alta tecnologia, ecoturismo, educação ambiental, arte e engajamento comunitário.
Guiado pelos princípios de compartilhamento, co-construção e prosperidade comum, o projeto coloca os moradores no centro da gestão e dos benefícios. Um exemplo concreto é o relato do Sr. Wu, agricultor local, que diversificou suas fontes de renda de maneira impressionante:
- Agricultura rotativa: seguindo o sistema agrícola local de Hainan, o sr. Wu cultiva arroz no verão, voltado principalmente ao consumo doméstico. No inverno, aproveita o clima mais quente da região para plantar hortaliças como vagem-longa (yardlong beans) e pimentas. Esses produtos são enviados para o continente, onde os preços sobem significativamente no inverno, especialmente próximo ao Ano Novo Chinês.
- Piscicultura: ele mantém um viveiro com aproximadamente 12 mil peixes. Os exemplares maiores, com mais de 500 gramas (um jin), são vendidos por 12 a 15 yuans por jin, gerando uma renda complementar importante.
- Serviços com máquinas agrícolas: com equipamentos próprios, como um motocultivador, ele presta serviços a outros agricultores na preparação do solo durante as épocas de plantio, aumentando sua renda na alta temporada.
- Construção civil e reformas: o sr. Wu também atua como líder de equipe em obras locais, organizando outros moradores em projetos de construção e reforma, o que lhe confere o papel informal de empreiteiro comunitário.
Sua família também é parte ativa dessa dinâmica: o filho do meio o auxilia nas atividades locais, enquanto o filho mais velho trabalha fora da cidade. A filha mais nova estuda na universidade em Tianjin, o que ele destaca com orgulho como símbolo da ascensão social viabilizada, em parte, por esse modelo integrado de desenvolvimento.
O apoio governamental é também um pilar fundamental em sua trajetória, pois ele recebe mudas gratuitas de arroz, subsídios para preparo do solo, melhorias na infraestrutura como estradas, e ajuda para renovação da moradia. O caso do sr. Wu exemplifica como a combinação de políticas públicas, inovação tecnológica e protagonismo comunitário pode transformar vidas em contextos rurais.
Diversificação Produtiva e Planejamento Tecnológico
A base produtiva do Damao Ocean Ecological Village se estrutura em torno da valorização de culturas tropicais adaptadas ao clima de Hainan. Entre os cultivos prioritários estão milho, arroz, manga, coco, maracujá, noz de areca, pimenta e feijão-winged. Essas culturas foram selecionadas por seu valor agregado, adaptabilidade ao sistema de rotação e potencial para inserção em cadeias de comercialização, incluindo exportação para outras regiões da China.
O planejamento produtivo é orientado por uma lógica de especialização regional e aproveitamento estratégico de sazonalidades. Por exemplo, o cultivo de vegetais e frutas tropicais no inverno permite abastecer áreas do continente onde o frio limita a produção local, aumentando o valor de mercado durante períodos como o Ano Novo Chinês.
Os desafios enfrentados pelo território são diversos: baixa eficiência no uso de nutrientes, erosão do solo, declínio da biodiversidade funcional, mecanização limitada e dificuldades na modernização da agricultura familiar. Em resposta, o projeto promove boas práticas como manejo hídrico integrado, introdução de cultivares melhoradas, adoção de sistemas agroecológicos e fortalecimento da qualidade ecológica do solo.
Essas ações são sustentadas por uma estrutura de governança cooperativa que articula universidades, órgãos públicos e empresas. Instituições como a China Agricultural University atuam diretamente no território, formando redes técnico-científicas locais, enquanto o governo oferece apoio em infraestrutura, financiamento e subsídios.
O Papel do Modelo STB (Science and Technology Backyard)
O alicerce metodológico do Damao Ocean Ecological Village é o modelo Science and Technology Backyard (STB). Criado na China e reconhecido por instituições como a FAO, o STB propõe uma ruptura com o modelo tradicional de pesquisa agrícola ao integrar diretamente pesquisadores, estudantes e agricultores no campo.
No modelo STB:
- Pesquisadores e alunos vivem nas comunidades agrícolas;
- Realizam pesquisas participativas e oferecem formações técnicas;
- Desenvolvem campos demonstrativos e utilizam ferramentas digitais;
- Formam redes entre universidades, cooperativas, empresas e órgãos públicos.
Resultados observados na China incluem aumento sustentável da produtividade, adoção de tecnologias apropriadas e melhoria na renda dos agricultores — tudo isso com menor impacto ambiental e maior eficiência no uso dos recursos naturais.
Possibilidades para o Brasil: O Caso de Goiânia
A experiência chinesa levanta uma pergunta estratégica: como adaptar o modelo STB ao Brasil?
Goiânia, capital de Goiás, é cercada por zonas rurais com forte presença da agricultura familiar. Com instituições como a UFG e centros de excelência como a Embrapa Cerrados, a região é ideal para sediar um projeto-piloto do STB. Municípios vizinhos, como Hidrolândia ou Trindade, poderiam hospedar unidades experimentais, com atuação direta de pesquisadores e estudantes junto aos produtores locais.
Os potenciais focos do STB goiano poderiam incluir:
- Gestão sustentável da água;
- Diversificação de cultivos adaptados ao Cerrado;
- Apoio à transição agroecológica e produção orgânica;
- Fortalecimento de cadeias curtas de comercialização.
A implantação exigiria articulação entre universidades, governos, cooperativas e financiadores. Com planejamento e apoio político, o modelo poderia ser replicado em outras regiões brasileiras, respeitando as particularidades socioculturais e ecológicas de cada território.
Conclusão
O Damao Ocean Ecological Village mostra que é viável integrar tradição, modernidade e inclusão em um só território. Ao adaptar o modelo STB para o Brasil — especialmente em regiões com forte presença rural e como o Centro-Oeste — podemos inaugurar uma nova era de inovação rural, conectando saberes acadêmicos e populares para promover um desenvolvimento verdadeiramente sustentável.
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